O evento, no Mercado de Pinheiros, em São Paulo, teve como protagonistas lideranças quilombolas do Vale do Ribeira

Por Gabriella Mesquita

Com abertura da chef Janaína Rueda, presidente do Instituto Brasil a Gosto, ao lado de representantes do Iphan São Paulo e das ongs parceiras, o II Encontro do Patrimônio Agroalimentar: Saberes e Práticas dos Quilombos do Vale do Ribeira aconteceu no sábado, 14 de maio, na praça central do Mercado Municipal de Pinheiros.

Iniciativa da Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São Paulo (Iphan) para promoção e valorização dos bens imateriais ligados à nossa cultura alimentar, esse segundo encontro (o primeiro aconteceu em 2019, saiba mais) teve como objetivo contribuir especialmente para a disseminação de conhecimentos relacionados ao sistema agrícola tradicional dos quilombos do Vale do Ribeira e para a promoção dos produtos oriundos de lá. Vale destacar que este é um dos nove bens culturais reconhecidos pelo Iphan ligados à nossa culinária.

O evento começou pela manhã em clima de celebração. O público, amplo, incluiu desde familiares e amigos das lideranças Quilombolas, vindos especialmente da região sul de São Paulo, a visitantes do mercado, cozinheiros, gastrônomos e interessados em nossa cultura alimentar, agricultura e agroecologia. Maurício Pereira, agricultor do quilombo André Lopes, no Vale do Ribeira, foi um deles: “Fazemos a roça para nossa subsistência. A cultura do quilombola é ter suas lavouras e plantio. É isso que nos traz segurança nos nossos territórios”. 

Veja, abaixo, como foram as mesas-redondas e conversas que aconteceram durante todo o dia: 


Abertura

As boas vindas foram dadas por Max Jaques, chef e pesquisador do Instituto Brasil a Gosto,  que chamou ao palco Marcos Rabelo, técnico do setor de Patrimônio Imaterial da Superintendência do Iphan em São Paulo, a chef Janaína Rueda, presidente do Instituto Brasil a Gosto; Glenn Makuta, articulador da rede Slow Food Brasil; e Frederico Viegas, representante do programa Vale do Ribeira do Instituto Socioambiental (ISA).  

“Quando levamos a cozinha brasileira para fora do país, precisamos falar da gastronomia quilombola. É impossível nos referirmos à nossa cultura alimentar sem falar do Vale do Ribeira”, apontou Janaína, premiada mundialmente pelo trabalho no A Casa do Porco Bar, e reconhecida por seus outros empreendimentos, como o Bar da Dona Onça, Hot Pork, Sorveteria do Centro, todos na região central de São Paulo, e pelo Sítio Rueda.

Mesa de abertura II Encontro do Patrimônio
Mesa de abertura II Encontro do Patrimônio / Foto Alexandre Schneider



Já Marcos Rabelo, do Iphan, defendeu a importância de nomearmos e reconhecermos nossos Patrimônios Imateriais como uma política de valorização dos bens culturais no Brasil, o que tem (ou deveria ter) relevância nacional, além de alto potencial educativo para nossa população. 

“Os povos quilombolas aqui presentes resistem há 300 anos no Estado de São Paulo e por muito tempo foram invisibilizados. Toda essa caminhada de reconhecimento do sistema agrícola é uma forma de valorização de seu povo, cultura e mais uma etapa da luta política quilombola”, alertou Frederico Viegas, do ISA, organização que há 20 anos trabalha para defender os bens e direitos sociais dos povos indígenas e quilombolas, o meio ambiente e o patrimônio cultural nacional.

Glenn Makuta encerrou este primeiro momento mostrando a importância do evento para a Associação Slow Food do Brasil, justamente por abordar a importância da nossa biodiversidade e cultura alimentar, enquanto fortalece a luta dos povos tradicionais e da agricultura familiar: “Estamos aqui para falar com a população como um todo e dizer que sem esse sistema agrícola, que tem os quilombolas como protagonistas, não teríamos a oportunidade de prestigiar e conhecer, por exemplo, as sementes crioulas e projetos como a Feira de Sementes do Vale do Ribeira, que preserva a cultura, conserva a natureza e o futuro do nosso planeta”.

II Encontro do Patrimônio
II Encontro do Patrimônio / foto Alexandre Schneider

Mesa 1 – Feira de sementes: sua história e importância para a conservação da biodiversidade e dos saberes quilombolas do Vale do Ribeira

A Feira de Sementes é uma iniciativa das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira junto com o Instituto Socioambiental e outros parceiros que tem como objetivo preservar e resguardar as sementes crioulas da região, além de reforçar a importância da roça quilombola. E para falar sobre a feira, a primeira mesa contou com a presença de Benedita dos Santos Rocha, Agricultora do Sistema Agrícola Tradicional dos Quilombos do Vale do Ribeira e representante do Grupo da Roça do Quilombo Maria Rosa e teve mediação de Ligia Meneguello, coordenadora de programas e conteúdos da associação Slow Food Brasil que falou um pouco da perspectiva coletivista dos quilombos com a criação da Feira de Sementes: “A prática comunitária dos quilombos é uma ferramenta de resistência muito grande à agricultura convencional a ponto que se origina de uma troca de sementes crioulas entre os quilombos vizinhos”, diz.

A Feira de Sementes está na 13 ° edição e começou com trocas de sementes e alimentos da roça entre os povos do território do Vale do Ribeira. “ A feira de sementes é uma celebração para resgatar nossos saberes ancestrais”, explica Benedita dos Santos Rocha, representante do Grupo da Roça.

Ligia e Benedita falaram da importância de se cultivar e valorizar  o alimento fruto da agricultura familiar, especialmente neste momento de fome e desemprego no Brasil “Hoje, para salvar vidas, precisamos colocar alimento de qualidade na mesa do nosso povo brasileiro”, aponta Benedita.

A mesa foi encerrada com degustação de saborosas tangerinas vindas da roça de Valni de França Dias, agricultora do Quilombo São Pedro e palestrantes do evento.

Max e Ditão no II Encontro do Patrimônio
Max e Ditão no II Encontro do Patrimônio FOTO Alexandre Schneider

Mesa 2 – Os efeitos da pandemia na produção e do Ribeira

Na segunda mesa, o chef Max Jaques conversou com Benedito Alves, o Ditão, liderança, monitor de etnoturismo, agricultor do Sistema Agrícola Tradicional dos Quilombos do Vale do Ribeira e representante do Grupo da Roça (Quilombo Ivaporunduva). “Nós chefs estamos acostumados a escolher o alimento pelo sabor. Mas, além disso, precisamos escolher por conta de sua origem e de seu caminho até a mesa, valorizando os saberes e plantações da agricultura familiar”, apontou Max. Ditão, que também é historiador e guardião do saber quilombola, falou sobre a história do surgimento dos povos quilombolas e destacou: “ A sabedoria africana é um orgulho para nossos quilombos no Brasil. Hoje o quilombo é a nossa faculdade, é um sítio arqueológico e é a nossa história”.

Ele relatou também como as comunidades quilombolas sabem dizer como fazer a plantação – de acordo com a natureza em harmonia e diálogo com a floresta: “Não aprendemos isso na faculdade, aprendemos com nosso povo e com os elementos da natureza”. Ele também dividiu as dificuldades vividas durante a pandemia: “Não passamos fome na pandemia e todos nós estamos vivos e saudáveis graças aos nossos alimentos e a renda vinda das colheitas. No entanto, tivemos que nos isolar para não correr o risco de sermos contaminados indo pra cidade” e acrescentou: “Nosso emprego é a terra, não precisamos ir pra cidade disputar emprego. Penso que precisamos nos fixar e valorizar nossa terra”.

Max relembrou a retomada do GT da Roça, que acontece mensalmente e reúne lideranças quilombolas na sede da Cooperquivale, na cidade de Eldorado, para debater sobre questões importantes para o território, para as pessoas, e a natureza, e que foi interrompido durante a pandemia. “A luta quilombola é coletiva, o território do quilombo é coletivo, a titulação é coletiva, a produção é coletiva e estes alimentos ainda são distribuídos. É um trabalho muito grande que precisamos valorizar”, encerrou ele.

Ao fim da mesa, a plateia pode degustar uma receita preparada com os produtos que fizeram parte da Ação Emergencial Vale do Ribeira (leia mais). Foi servido cozido de peixe seco com abóbora, farofa e salada de pupunha. De sobremesa, bolo de mandioca com rapadura e mel, preparados por Max e Karina Carvalho, cozinheira do Instituto Brasil a Gosto.

Cozido de peixe seco com abóbora, salada de pupunha, pirão e farofa
Cozido de peixe seco com abóbora, salada de pupunha, pirão e farofa

Cooperquivale: Desenvolver economicamente para preservar o patrimônio

A mesa mais interativa foi a terceira, que contou com a participação de Valni de França Dias, agricultora do Sistema Agrícola Tradicional dos Quilombos do Vale do Ribeira e representante do Grupo da Roça (Quilombo São Pedro), e Frederico Viegas, do Programa Vale do Ribeira, do Instituto Socioambiental.

Valni falou sobre a Cooperquivale, Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira, que produz alimentos orgânicos e agroecológicos da agricultura familiar para o consumidor.

Durante a pandemia, em prol da distribuição dos alimentos nas comunidades de São Paulo, quilombo e favela se encontraram em um apoio e fortalecimento do acesso a alimentação de qualidade nas periferias. Valni contou sobre a ação de levar os alimentos do quilombo para algumas favelas, como a Brasilândia, zona oeste da cidade de São Paulo: “Foi emocionante ver os alimentos que plantamos chegar nas periferias e favelas da cidade no período mais grave da pandemia porque eles viram da onde os alimentos vieram e quem os plantou, conseguimos ensinar e aprender muito, depois disso convidamos os moradores a conhecerem nosso quilombo e foi uma experiência muito significativa para nós”.

Olegário Carmelita, no Encontro do Patrimônio
Olegário Carmelita, no Encontro do Patrimônio FOTO Alexandre Schneider



Para somar o bate- papo, o microfone foi aberto ao público e Rodrigo Olegário, líder comunitário na Vila Brasilândia e Coordenador do projeto Brasilândia Cabeção fala sobre o recebimento de 15 toneladas de alimentos dos quilombos na pandemia. fruto da ação emergencial  do vale do ribeira promovida pelo instituto brasil a gosto em parceria com a cooperquivale, isa e magazineluiza. “Esses alimentos  são qualidade de vida. Poder consumi-los in natura permite não só o fortalecimento da saúde, como a valorização da cultura quilombola nos campos e nas favelas”, afirma Olegário. 


Encerramento

“Este encontro foi feito para vocês, agricultores. Ao longo dos séculos a gente vem negligenciando demandas, sabedorias e vidas quilombolas e esperamos que esse momento seja mais um pequeno passo desta caminhada de 400 anos que vocês quilombolas fazem”, agradeceu o chef Max Jaques.

O público se despediu com uma degustação final de chips de banana  feitos pela da Marina Soares e rapadura do Seu Osvaldo, do Quilombo Nhunguara da Cooperquivale.

chips de banana e rapadura da Cooperquivale
chips de banana e rapadura da Cooperquivale / Foto Alexandre Schneider

II Encontro do Patrimônio Agroalimentar: Promovendo Saberes e Práticas teve produção do Instituto Brasil a Gosto, e parceria do Instituto Socioambiental, Associação Slow Food do Brasil e Instituto Atá.

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